Canteiros centrais: precisamos mesmo deles?
Canteiros e canteiras, saudações!
Em praticamente todas as cidades brasileiras, os canteiros centrais são presença constante no desenho das vias urbanas. Grandes avenidas, mesmo em bairros pouco movimentados, frequentemente ostentam largos canteiros centrais, muitas vezes gramados, com algumas árvores, ou simplesmente pavimentados e sem função evidente. Mas será que esses espaços são realmente necessários? Ou será que estamos desperdiçando uma valiosa área pública que poderia ter um uso mais eficiente?
Por que temos tantos canteiros?
Os canteiros centrais existem, em parte, por inércia normativa e cultural. As leis de parcelamento do solo e os códigos de obras, em muitas cidades brasileiras, definem parâmetros mínimos de largura para as vias, com base principalmente nas necessidades de circulação de veículos motorizados. Essas normas foram pensadas em um contexto onde o carro particular era (e, em muitos casos, ainda é) o centro das políticas urbanas.
O canteiro central surge, então, como um elemento que organiza o trânsito: separa fluxos, cria espaço para retornos, protege travessias e, eventualmente, oferece um espaço verde. Mas, na prática, sua função raramente vai além de ser um obstáculo físico no meio da rua. Não é um espaço onde as pessoas param, interagem ou usufruem — ao contrário das calçadas, praças ou parques.
O canteiro como desperdício de espaço
Em muitos casos, o canteiro central é largo não porque essa largura tenha alguma função social ou ambiental relevante, mas para viabilizar o retorno de veículos. Em vias muito extensas, sem cruzamentos frequentes, o canteiro serve para permitir que os motoristas façam o famoso “retorno” de forma relativamente segura. Mas precisamos nos perguntar: essa deve ser mesmo uma prioridade do desenho urbano? Não existem outras formas de organizar o trânsito que não sacrifiquem tanto espaço?
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Quando optamos por manter largos canteiros centrais, inevitavelmente estamos tirando espaço de outros usos muito mais necessários: calçadas mais largas, ciclovias seguras, faixas de transporte público, áreas verdes efetivamente acessíveis. A largura de uma via é finita, e a escolha de ampliar o espaço dedicado aos carros reduz, automaticamente, o espaço destinado às pessoas.
E se o canteiro fosse calçada?
Em uma cidade que busca estimular a mobilidade ativa — a pé, de bicicleta — e o transporte coletivo, faz cada vez menos sentido manter grandes áreas viárias dedicadas exclusivamente ao fluxo ou ao retorno de veículos particulares. Transformar parte ou a totalidade desses canteiros centrais em calçadas, ciclovias, jardins acessíveis ou mobiliário urbano pode ser uma estratégia inteligente para qualificar o espaço público.
Reduzindo o espaço do canteiro central e aumentando o espaço das calçadas, também há um reflexo nas rampas de acesso de veículos aos lotes: elas podem ser mais suaves, já que haverá mais espaço para o veículo percorrer na calçada, deixando o passeio com menos variação de relevo, tornando a caminhada mais confortável e segura.
Além disso, ruas com seções mais estreitas, calçadas generosas e menos espaço para carros costumam gerar ambientes mais seguros e confortáveis, com mais vitalidade urbana. O desenho das ruas influencia diretamente o comportamento das pessoas: vias excessivamente largas incentivam a velocidade e desestimulam o caminhar; ruas mais compactas, ao contrário, favorecem deslocamentos a pé e tornam o ambiente mais humano.
Leis ultrapassadas, cidades travadas
Um dos grandes entraves para mudanças nesse modelo está na própria legislação urbanística. As normas de parcelamento de solo ainda seguem, na maioria dos municípios, uma lógica que prioriza o carro: largura mínima de via, número mínimo de vagas, obrigatoriedade de canteiros em avenidas largas, entre outros dispositivos. É um modelo engessado, que dificulta soluções mais criativas e adaptadas à realidade contemporânea das cidades.
Se as leis permitissem mais flexibilidade, seria possível, por exemplo, criar ruas mais estreitas, mas com calçadas confortáveis, ciclovias bem implantadas e arborização qualificada. Isso não significa eliminar todos os canteiros — há casos em que eles são importantes, seja como proteção para pedestres, seja como espaço verde. Mas significa deixar de adotá-los automaticamente, como uma imposição normativa, e começar a pensar no espaço público de forma mais equilibrada.
Para quem desenhamos as ruas?
No fim, a reflexão sobre os canteiros centrais é, na verdade, uma reflexão mais ampla sobre as prioridades que definem o desenho das nossas cidades. Queremos ruas que sirvam essencialmente ao fluxo rápido de automóveis, ou queremos espaços urbanos que acolham as pessoas, estimulem encontros, favoreçam a mobilidade ativa e promovam qualidade de vida?
Repensar o papel dos canteiros centrais — e, quando fizer sentido, transformá-los em espaços efetivamente úteis — é um pequeno, mas significativo, passo na direção de cidades mais humanas, sustentáveis e inclusivas.
Um abraço,
Marcelo.
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