Do que eu falo quando falo de corrida
Saudações, leitores e leitoras!
Hoje trago meus comentários sobre o livro Do que eu falo quando falo de corrida, do escritor e corredor japonês Harumi Murakami.
Antes de tudo, preciso agradecer ao Will Monteath por ter citado tanto o Harumi nos seus livros. Foi graças a isso que eu corri atrás dos livros do autor e acabei me surpreendendo com esse, onde ele fala sobre sua vida esportiva. Não esperava por um livro assim escrito por um romancista.
E eu acabei lendo esse livro justamente em uma época que estou tentando retomar as atividades físicas, acabou sendo uma inspiração. Sempre que penso em não praticar, em desistir, lembro do livro, de como a constância é importante e acabo continuando.
O livro é bem legal, mistura a experiência do autor com o esporte com trechos onde fala sobre seu trabalho como escritor. É uma mistura que funciona bem.
Abaixo, os destaques que fiz durante a minha leitura:
Existe um ditado sábio que diz o seguinte: um cavalheiro de verdade nunca fala a respeito das mulheres com quem terminou um relacionamento ou sobre quanto ele paga de imposto. Na verdade, isso é uma grande mentira. Acabei de inventar. Desculpe! Mas se existisse mesmo um ditado como esse, acho que uma terceira condição para ser um cavalheiro seria manter a boca fechada sobre o que você faz para manter a forma. Pelo menos é assim que eu penso.
Um corredor contou a respeito de um mantra que seu irmão mais velho, também corredor, lhe ensinara, e sobre o qual ele refletia desde que começara a correr. Ei-lo aqui: a dor é inevitável. Sofrer é opcional. Digamos que você esteja correndo e comece a pensar: Cara, que dor, não aguento mais. Sentir dor é uma realidade inescapável, mas continuar ou não suportando é algo que cabe ao corredor. Isso em grande parte resume o aspecto mais importante da realização de uma maratona.
No momento meu objetivo é aumentar a distância percorrida, de modo que velocidade não vem tanto ao caso. Contanto que eu possa correr uma certa distância, isso é tudo que importa. Às vezes, corro rápido quando sinto vontade, mas, se aumento o ritmo, diminuo a quantidade de tempo que corro, e a ideia é deixar que a exaltação que sinto no fim de cada corrida dure até o dia seguinte. É o mesmo tipo de abordagem que creio ser necessária quando estou escrevendo um romance. Paro todo dia bem no momento em que sinto que posso escrever mais. Feito isso, o dia de trabalho seguinte transcorre surpreendentemente bem. Acho que Ernest Hemingway fazia alguma coisa parecida. Para seguir em frente, é preciso manter o ritmo. Isso é o mais importante em projetos de longo prazo. Assim que você estabelece o ritmo, o resto vem a reboque. O problema é conseguir fazer com que a roda fique girando a uma determinada velocidade — e chegar a esse ponto exige o máximo de concentração e esforço de que a pessoa é capaz.
Quando corria, um pensamento me veio à cabeça: mesmo que meu tempo na corrida não melhore, não há muito que eu possa fazer a respeito. Fiquei mais velho, e o tempo cobra seu tributo. Não é culpa de ninguém. Essas são as regras do jogo. Assim como um rio corre para o mar, ficar velho e diminuir o ritmo fazem parte do cenário natural, e tenho de aceitar o fato. Talvez não seja um processo dos mais divertidos, e o que descubro como resultado talvez não seja lá muito agradável. Mas que escolha tenho, afinal? A meu próprio modo, apreciei minha vida até aqui, mesmo que não possa dizer que a apreciei plenamente.
A academia em que malho em Tóquio tem um pôster que diz: “Músculos são difíceis de conseguir e fáceis de perder. Gordura é fácil de conseguir e difícil de perder.” Uma dolorosa realidade, mas uma realidade, mesmo assim.
Existem três motivos para o meu fracasso. Falta de treino. Falta de treino. E falta de treino. Foi isso, numa expressão. Falta de me exercitar de uma forma abrangente, além de não diminuir meu peso. Sem que eu me desse conta, eu desenvolvera uma espécie de atitude arrogante, convencido de que apenas uma quantidade mediana de treinamento bastava para realizar um bom trabalho. A barreira que divide a confiança salutar do orgulho prejudicial é muito fina. Quando eu era jovem, podia ser que apenas uma dose mediana de treinamento fosse suficiente para que eu corresse uma maratona. Sem forçar demais no treino, eu poderia ter confiado na energia que já armazenara para terminar a prova e fazer um bom tempo. Mas, infelizmente, já não sou mais jovem. Estou chegando àquela idade em que você só obtém de fato aquilo pelo qual pagou.
Em toda entrevista me perguntam qual a qualidade mais importante que um romancista deve ter. Isso é bem óbvio: talento. Não interessa quanto entusiasmo e empenho você põe em escrever, se for totalmente destituído de talento literário, pode esquecer a ocupação de romancista. Isso é mais um pré-requisito que uma qualidade necessária. Sem combustível, nem o melhor carro do mundo anda. O problema do talento, contudo, é que na maioria dos casos a pessoa envolvida não consegue controlar sua quantidade ou qualidade. Talvez você ache que a quantidade não é suficiente e deseje aumentá-la, ou você pode querer ser frugal para fazê-la durar mais, mas em nenhuma situação as coisas funcionam tão facilmente assim. O talento é dotado de vida própria e vem à tona quando bem entende, e uma vez que seca, já era. Claro que certos poetas e cantores de rock cujo gênio aflora numa explosão gloriosa — ou pessoas como Schubert e Mozart, cujas mortes dramaticamente precoces os transformaram em lendas — exercem certo apelo, mas para a vasta maioria esse não é o modelo seguido. Se me perguntarem qual a segunda qualidade mais importante para um romancista, essa também é fácil: concentração — a habilidade de focar todos os seus limitados talentos no que for mais crucial no momento. Sem isso não se pode realizar nada de valor, ao passo que, se você for capaz de se concentrar eficientemente, conseguirá compensar um talento errático ou até a falta de talento. Eu geralmente paro para escrever de três a quatro horas todas as manhãs. Sento em minha mesa e me concentro totalmente no que estou escrevendo. Não olho para mais nada, não penso em mais nada. Mesmo um romancista muito talentoso e com a cabeça fervilhando de novas ideias provavelmente não consegue escrever uma linha se, por exemplo, estiver sofrendo com uma cárie. A dor bloqueia a concentração. Isso é o que quero dizer quando afirmo que sem concentração você não realiza coisa alguma. Depois de concentração, a coisa mais importante para um romancista é, sem sombra de dúvida, perseverança. Se você se concentra em escrever por três ou quatro horas por dia e se sente cansado após uma semana fazendo isso, não será capaz de escrever um livro longo. O que um escritor de ficção necessita — pelo menos aquele que sonha em escrever um romance — é a energia para se concentrar todo dia durante meio ano, ou um ano, dois anos. Pode-se comparar isso com respirar. Se a concentração é o processo de simplesmente prender o ar, perseverança é a arte de lentamente, calmamente, respirar, ao mesmo tempo em que você armazena ar em seus pulmões. A menos que possa encontrar um equilíbrio entre as duas coisas, será difícil escrever romances profissionalmente por um longo período. Continuando a respirar enquanto segura o fôlego.
A maioria dos corredores corre não porque queira viver mais, mas porque quer viver a vida ao máximo.
À medida que envelhece você aprende até mesmo a ser feliz com o que tem. Essa é uma das poucas vantagens de envelhecer.
Se fosse apenas o vento gelado, sem problema. Se achamos que dá para lidar com ele, de algum modo conseguimos. O golpe de misericórdia vem quando ocorre uma tempestade de neve. Durante a noite, a nevasca congela, formando montes de gelo gigantescos e escorregadios, tornando as ruas intransponíveis. Então desistimos da corrida e tentamos manter o condicionamento nadando em piscinas cobertas, pedalando e pedalando para lugar nenhum nessas indignas bicicletas ergométricas, esperando a chegada da primavera.
O rio a que me refiro é o rio Charles. As pessoas apreciam ficar junto ao rio. Algumas caminham ociosamente, passeiam com seus cães, andam de bicicleta ou correm, enquanto outras preferem patinar. (Como um passatempo perigoso desses pode ser agradável é algo que não consigo compreender.) Como que atraídas por um ímã, as pessoas se juntam às margens do rio.
Por mais que você fique ali nu se examinando diante de um espelho, nunca vai ver refletido o que existe por dentro.
Claro que foi doloroso, e houve momentos em que, emocionalmente, eu simplesmente queria chutar o balde. Mas a dor parece ser um pré-requisito nesse tipo de esporte. Se não houvesse dor envolvida, quem neste mundo se daria o trabalho de participar de esportes como o triatlo ou a maratona, que exigem tal investimento de tempo e energia? É precisamente por causa da dor, precisamente porque queremos suplantar essa dor, que conquistamos o sentimento, mediante esse processo, de realmente estarmos vivos — ou ao menos uma sensação parcial disso. A qualidade de sua experiência está baseada não em padrões como tempo ou colocação, mas em finalmente acordar para uma consciência da fluidez que há dentro da própria ação. Quando as coisas transcorrem bem, é claro.
O livro pode ser encontrado na Amazon, no link abaixo:
DO QUE EU FALO QUANDO FALO DE CORRIDA – HARUMI MURAKAMI
E você, já leu este livro? O que achou dele?
Um abraço,
Marcelo.